domingo, 9 de dezembro de 2007

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que sogue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo : "Fui eu ?" Deus sabe, porque o escreveu.




Fernando Pessoa

Um comentário:

Suhelen disse...

chega um certo tempo que a gente já não sabe é de mais nada, embora tenha se aprendido muita coisa...

os sonhos que não são meus hoje bem me ajudam a descobrir onde estou!

e o país das agonias tá cheio de afeto!!!!

^^

poema à minha infância


Onde ficou a minha boneca de cabelos longos e loiros ? E a estrela cintilante que encantava os meus olhos nas noites de estio e que se retratava na lagoa que enfeitava a frente da minha casa ?
Onde ficou o desejo que acalentei com avidez de possuir a bicicleta azul exposta na vitrine daquela loja de brinquedos ?
E onde os dias felizes e descuidados que fizeram a ventura dos meus dias de criança ?
A minha infância que eu perdi quando me disseram que eu já não era menina, que eu não podia brincar de ciranda, nem correr de pés descalços pelas ruas cheias de sonhos e de sol ...
A minha infância que eu perdi no alvoroço de querer ser gente grande, que eu perdi atraida pela miragem do desconhecido...
Por que não me deixaram ficar com aquela boneca em meus braços, com o encanto da estrela em meus olhos, com o desejo de possuir aquela bicicleta azul ?
Por que me acordaram do sonho bom da minha infância e me deram de presente um coração adulto ?
Por que não me deixaram permanecer, indefinidamente, com as minhas cantigas de ciranda, com a alegria de correr com os pés descalços pelas ruas cheias de sonho e de sol ?

Isolda Pedrosa